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Luísa Castel-Branco

Ser avó

Luísa Castel-Branco, 20.03.13

Levei o meu neto Simão ao Oceanário. Com dois anos e pouco, quanto mais nos embrenhávamos no escuro, e sempre que chegávamos junto de uma daquelas enormes janelas de vidro, bem mais altas do que eu, onde os peixes se mexem como se nos fossem apanhar, com a sua mão a agarrar um dos meus dedos, dizia para si mesmo: “A avó está ‘qui!” Sempre que se assusta diz o mesmo, como se o relembrar-se a si mesmo da minha presença parasse todos os medos. Aquelas palavras ressoam na minha cabeça e principalmente no meu coração todos os dias. A toda a hora. E o sorriso dele, Santo Deus, nunca conheci uma criança que tanto gostasse de rir! Vê-lo acordar de manhã é um privilégio. Quando brincamos os dois torno-me numa menina ou então volto aos meus tempos de jovem mãe. Tudo isto me veio à cabeça porque o mesmo sentem neste momento milhares de mulheres. Avós com o coração cheio de amor. Avós para quem estes momentos de terrível crise que vivemos desaparecem por magia quando temos um neto ao colo, quando rimos com ele, quando olhamos a vida através dos olhos deles. O povo diz “Deus dá-nos os netos para adoçar a velhice”. Nunca tal foi tão verdadeiro. A nós, novas demais para sermos velhas, velhas demais para sermos novas e perdidas em busca de ajuda.

 

In Destak 18.03.2013

Um sonho repetido

Luísa Castel-Branco, 29.01.13

Sonho sobre ti vezes sem conta. Mesmo quando estou acordada. Às vezes dou comigo na rua e de repente, do nada, vejo a tua silhueta a mover-se por entre as gentes. Ou então é o teu perfume de lavanda que me apanha desprevenida obrigando-me a fixar-me em alguém que acabou de passar rente a mim. A tua falta é tão permanente que os anos não lhe retiram nem força, nem dor.

É uma dor que vive comigo, encaixada dentro de mim e escondida. Mas sabes pai, tenho contigo longas conversas. Maiores do que as que tive enquanto vivias. Pergunto-te muitas vezes o que pensas de mim, daquilo em que me tornei, sei lá, coisas sem importância talvez. E o facto de já teres partido há tantos anos não me fez esquecer os teus traços, o teu sorriso pequeno, as tuas mãos perfeitas.

Perfeitas. Onde eu hoje queria estar, sabes pai, abraçada por ti e ouvir-te dizer, tudo vai correr bem.Quando sonhamos podemos imaginar tudo o que queremos. E eu imagino-me novamente ao teu lado a dizer-te tudo aquilo que não tive tempo. 

A vida é tão estranha, como estranha é esta saudade permanente de ti, esta imensa solidão que nunca vai desaparecer. Mas todos os dias as gaivotas rondam a minha janela e como sempre, é contigo que falo quando lhes digo adeus.

 

in Destak 29.1.12

6 de Setembro 2012

Luísa Castel-Branco, 06.09.12

É sempre nos momentos mais difíceis que damos por nós a recordar o passado, principalmente os erros que cometemos, tudo o que faríamos de diferente.

Muitas vezes ouvi dizer "se soubesse o que sei hoje quando era nova..." . Mas na verdade o que teríamos feito se pudéssemos vislumbrar o futuro, o futuro dos  nossos erros?

Muitas das coisas más que nos aconteceram tiveram algo de positivo. Que seriamos nós sem essa aprendizagem,  sem termos escorregado e caído, e levantado de novo?

O pior é que com o passar das estações vamos perdendo as forças. A força da indignação, do sorriso, da lagrima sem vergonha mas principalmente a capacidade de sonhar.

E a vida sem sonhos não vale nada.

Talvez por isso mesmo olhamos para os jovens e reconhecemo-nos. Nesse abraçar do mundo em que tudo é possível.

Um dia alguem muito inteligente disse-me: O dificil não é viver. É saber viver."

E acredito piamente que ai está a enorme diferença entre os seres humanos.

Conheço pessoas capazes de serem felizes por ninharias. Pessoas que olham as dificuldades e dizerem "amanhã será melhor" com um sorriso genuíno no rosto.

Não falo dos pobres de espirito. Não, falo de gente que saboreia a vida como se cada dia fosse o ultimo.

Ai esta algo que eu gostava de aprender.

Isso e a capacidade de esquecer o que me magoou e os erros que fiz.

Enfim, nunca é tarde para acreditar que vai ser possível.

Os Mistérios da Escrita

Luísa Castel-Branco, 05.09.12

As férias significam um corte com a rotina, mesmo quando os problemas não ficam para trás, muitas vezes tal é impossível, pelo menos o virar da rotina dos dias dá-nos uma sensação de que algo está diferente.

 Eu não tive um único dia de féria e contudo não estive cá, aqui, na minha casa.

É essa a sensação que se tem quando estamos a escrever um livro. A realidade embora não nos saia do subconsciente, é arredada para trás porque vivemos e dormimos com as personagens. Escrever é um acto solitário. É algo difícil de explicar aos outros. É algo difícil de nós mesmos entendermos. Podemos tentar estabelecer uma rotina. Horas certas para nos sentarmos em frente ao computador e depois…nada acontece.

As pessoas que vivem no romance, que para mim são tão reais como aquelas que encontro na rua, tendem a aparecer nos momentos menos apropriados.

E muitas vezes me levanto de manhã convencida que já escrevi uma boa parte da história e contudo, só existe na minha cabeça, na longa noite que passei nessa outra realidade.

São meses e meses de trabalho. E quando parece ter acabado não acabou. Do nada surge mais um pedaço daquelas vidas e lá vou eu para o computador, eu fiel depositária dos seus sentimentos.

Quando finalmente escrevo a palavra : FIM, dá-me um nó no estomago e normalmente choro, como quem se despede de entes queridos que partem para sempre.

É um privilegio poder escrever. Poder estar assim,  viva mas numa outra realidade,  num outro país, num mundo que é só meu.

Mas no final tenho que voltar “á terra”. E estou tão cansada, tão cansada...

in Destak 3.09.12

Só boas notícias

Luísa Castel-Branco, 29.05.12
O Banco Alimentar conseguiu um aumento de donativos de mais de 12%. Vi no supermercado pessoas a pedirem desculpa por darem tão pouco e fiquei emocionada. É impressionante como o povo português é solidário mesmo quando tem pouco para partilhar.

E continuando nas boas notícias, vi ontem no jornal da noite da TVI uma jovem que através do Facebook começou a desafiar os amigos para ajudarem famílias mais carenciadas. Não só colabora quem dá bens ou dinheiro, mas quem dá do seu tempo, como indo por exemplo buscar as crianças à escola e ajudando a estudar.

Hoje o movimento começado por esta jovem já tem muito mais gente desconhecida que amigos e todos com a mesma vontade em dar algo a quem precisa. E para quem quiser aprender como de pequenas ideias há portugueses que estão a dar a volta à vida aconselho que veja na SIC Notícias, canal 5 no cabo, o programa “The Next Big Idea”.

Pessoas de todas as idades levam para a frente pequenos e grandes sonhos transformando-os em realidade. É isto que precisamos nesta altura: de notícias positivas e gente que não perde a capacidade de sonhar!

in Destak 28.5.12

Ir à praia

Luísa Castel-Branco, 17.05.12

Chega-se à praia e ela desapareceu. O areal foi comido pelas ondas gigantes da maré alta que batem no paredão. Mas não o fazem com violência, é mais uma canção cadenciada. Os meus amigos pescadores esperam, calmamente sentados nas pedras altas, que a maré desça. A mesma calma com que olham horas a fio para a linha que mal se vê esticada, até que a cana abane, sinal de que o peixe mordeu o isco.

E passado pouco tempo a maré começa a descer, como se as águas fossem puxadas para longe por uma força desconhecida. Quem vem à praia nos dias frios, não nos quentes, são pessoas totalmente diferentes. Um homem de fato completo e gravata caminha no areal. Dobrou as calças só um bocadinho e pisa a areia direito como se fosse na calçada. Casais com cães, mulheres sozinhas, jovens sozinhos. O areal convida ao silêncio, ao pensamento. Há uma calma enorme naquele caminhar rodeado pela música da natureza, um vento ligeiro que bate no rosto, e nós com o olhar perdido.

Penso quem serão estas pessoas? E invento-lhes vidas, como quem escreve na cabeça uma história. Tento dar finais felizes a estas histórias. Mas o homem do fato e gravata passou por mim e tinha uma tristeza tão grande nos olhos! Ah! Apetecia-me pará-lo e conversar com ele… Mas limito as minhas conversas aos pescadores que me en-sinam a fazer iscos e coçam a cabeça afirmando que o mar já não é o que era. Mas já nada é o que era…Fujo da praia nos dias de calor, nos dias dos corpos deitados como frangos a assar. Fujo das multidões porque me revejo nos meus companheiros solitários do areal, às oito da manhã, quando a neblina ainda obriga a fechar a camisola.

In Destak 15.5.12

Dizer adeus

Luísa Castel-Branco, 25.01.12
Tenho um buraco onde antes estava o meu coração e o corpo,

esse, de tão moída pela dor assemelha-se mais a um monte de farrapos caído no
chão. Os olhos de tanto chorar sumiram-se e deram lugar a duas
névoas sem vida.

Queria gritar e não consigo. Queria fugir e não tenho para onde. Queria pedir ajuda, mas como ajudar quem se maltrata?

Mesmo quando tememos que um dia haja um fim, nunca estamos
preparados para esta dor tão monstruosa.

E de repente, todas as boas recordações desaparecem, todos
os encantos partilhados, os perfumes saboreados, tudo deixa de ter existência.

Fica apenas a raiva, mas uma raiva surda, apática. Como se sempre soubéssemos que ia terminar assim, como se
tivéssemos chegado junto do abismo, só para descobrir que já ali estávamos há
tanto, tanto tempo, num equilíbrio instável.

Ah! Esta dor que não se mede, não se vê, mas que se agarra à
pele de tal forma que não desaparecera nunca mais! E ao nosso redor nada mais do que o silêncio, um silêncio
pesado e prenhe de sons.

Houve tempos em que fomos só um, recordas-te? Houve tempos em que o amor era suficiente.

De que vale a pena pensar nisso? Queria fechar os olhos e adormecer, num sono profundo que me
trouxesse o esquecimento.

Em vez disso sobram os dias e a obrigação de colocar a
mascara e fingir que está tudo bem. Dizer Adeus é morrer por dentro.

 

In Destak 16 | 01 | 2012

 

A dor maior

Luísa Castel-Branco, 25.01.12
Quando a vida nos parece pesar demais sobre os ombros, penso no pior momento da minha vida. Seria de esperar que para quem já teve um AVC, perdeu consciência, memorias, e ficou com sequelas para sempre, o medo da morte fosse a minha pior recordação. Mas não.

Teria o meu filho mais velho cinco anos, talvez seis, quando desci à rua acompanhada por familiares. Parámos no café e disse-lhes que ia à loja do outro lado da rua: tomem conta dele. E saí. A rua é estreita e pequena. Não sei porque me virei, será que ouvi os gritos? Mas quando o fiz vi o carro avançar e o meu filho no meio da rua. Corri e tentei colocar-me à frente, ou agarrá-lo, mas não cheguei a tempo e o carro, um Alfa Romeu desportivo, passou-lhe por cima, e o meu filho desapareceu.

Recordo cada pormenor desse dia, como se fosse hoje. Era Inverno. Estava frio. Ele tinha um casaco grosso comprido. O carro era vermelho. As pessoas gritavam e eu sabia que o faziam porque via os rostos aflitos, as bocas abertas mas nem um som chegava a mim. Nada. O mundo tinha sido engolido por um buraco enorme e nos meus ouvidos só o bater descompassado do meu sangue.

O condutor, tão jovem, saiu do carro a chorar e as pessoas tentavam olhar para baixo, ver o corpo. Aquele automóvel era tão incrivelmente baixo. Quanto tempo demorou? Não sei. Segundos, seguramente.

Foi então que o meu filho saiu rastejando por de baixo do carro, como se fosse um gato. Sofrera apenas um pequeníssimo golpe que nem sequer viria a ser cosido no hospital. Agarrei-o e percebi que continuava a não ouvir o que me diziam, nem mesmo ele.

Poucas horas depois ele já brincava com os irmãos. Eu em contrapartida, fiquei num estado tal que não conseguia sequer mexer um músculo. Quando a realidade parece ser difícil demais, volto àquela rua, àquele momento e aprendo uma vez mais o que é a maior dor do mundo.

 

in Destak 23 | 01 | 2012

Acordo

Luísa Castel-Branco, 05.01.12
O governo devia publicar em todos os jornais, em publicidade paga pelos bolsos dos contribuintes, o acordo da Troika na sua totalidade, mas de preferência traduzido para algo que o cidadão comum compreendesse, isto é, nada de linguagem de economista.Talvez assim os portugueses compreendessem o que é evidente: os sacrifícios que estamos a fazer são os acordados com a Troika pelo senhor engenheiro Sócrates.

O mesmo que negou durante mais de dois anos que necessitássemos de apoio, que se não nos emprestassem dinheiro ficaríamos na bancarrota, sem poder pagar os ordenados aos funcionários públicos, aos reformados, etc, etc.Vamos a ver se nos entendemos. Os mesmos senhores que agora andam para aí a gritar e a tentar fazer levantamentos na rua são aqueles que não abriram a boca enquanto durante dez anos o PS delapidou o Estado.

Vamos a ser claros. Fosse quem fosse que estivesse hoje sentado no lugar de primeiro-ministro teria que fazer exactamente a mesma coisa. O principal culpado está, segundo parece, em Paris, onde aprendeu no curso que tirou que a divida de um País não é para pagar! Valha-nos Deus! E já agora, para todos os que lêem este artigo em viagem de comboio para o trabalho, a greve que os funcionários da CP fizeram foi pela inacreditável razão de não aceitarem que quem não cumpriu a lei em greves anteriores e obedeceu aos serviços mínimos não deve ter processos.

E se pensam que os trabalhadores da CP perderam dias de trabalho com a greve, desenganem-se. Os sindicatos pagam. A nós é que ninguém nos devolve o dinheiro do passe.

 

in Destak 03 | 01 | 2012

2012. E o que fizemos de 2011?

Luísa Castel-Branco, 31.12.11

Chegamos aqui, a dia 31 de Dezembro e somos levados a olhar para os dias que perfizeram este ano, a fazer uma avaliação do que conseguimos alcançar e em que é que falhámos.

E logo de seguida fazemos mentalmente a lista dos projectos, sonhos ou seja lá o que for que queremos atingir no ano que começa amanhã.

Não sei quantos dos que me lêem conseguem olhar para trás e sorrir. Eu maltrato-me a mim mesma pensado em tudo o que falhei, o que não concretizei, enfim, sonhos deixados cair na calçada.

Dia 29 o meu marido saiu de casa de manhãzinha e voltou com 8 rosas.

Eu tinha-me esquecido.

Fizera no dia anterior, no dia 28 de Dezembro, exactamente 8 anos que em tive o AVC.

Desde ai, pelo menos durante os primeiros anos, eu costumava celebrar esse dia como se fosse o meu aniversário.

Nada como estar perto da morte para valorizar a vida.

Mas com o tempo, esqueci-me.

E perante aquelas 8 rosas, quando já estava sozinha, chorei copiosamente.

A vida, Deus, o que quiserem chamar, deu-me uma segunda oportunidade.

O que tenho feito com ela?

E quando parei de chorar e ter pena de mim, e raiva de mim, pensei que foi durante estes 8 anos que consegui  escrever os meus livros, consegui habituar-me a viver com as sequelas do AVC, com as memórias perdidas, enfim, com uma nova realidade que me transformou num novo ser humano.

Esta exigencia comigo mesma é terrivel e errada.

E peço a todos que sejam benevolentes convosco, sem que isso signifique esquecer os erros e tentar mudar.

Á minha volta tenho tanta gente que está mal. Tantas relações que estão em perigo, porque em momentos como este a realidade faz esquecer o amor que um dia nos juntou, e tudo o que tivemos de bom.

Não há bela sem senão, como diz o povo.

Enfrentar 2012 exige coragem, mas também Fé em nós e nos outros e uma enorme capacidade para engolirmos as nossas exigências em relação a nós mesmos e aos outros.

A todos um voto de um 2012 pleno de saude.

E aqui vos espero.