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Luísa Castel-Branco

Devia ser assim

Luísa Castel-Branco, 30.10.07

Os meninos nasciam e, quando os papás os fossem registar, receberiam os seguintes diplomas:

- Certificado com aprovação do exame do primeiro, segundo e todos os ciclos que vierem a inventar;

- Carta de condução;

- Certificado de curso superior (e, de acordo com Bolonha, seria então bacharelato) para qualquer curso (o espaço ficaria em branco para o jovem escrever a sua escolha).

Enfim, desta forma poupava-se muito trabalho, despesa e sofrimento. Ao Estado, aos pais e professores, e aos "velhos do Restelo" que olham atónitos para as leis, cada uma que é promulgada, mais absurda do que a anterior.

Pensam que estou a brincar? Mas vejam bem: os trabalhos de casa, segundo os especialistas (!), traumatizam as crianças. Ninguém pode chumbar a não ser que os pais deixem. Se não lhes apetecer ir às aulas, que, como se sabe, são uma grandessíssima chatice, o Estado providencia exames especiais, tantas vezes quantas as que forem necessárias até os pobrezinhos passarem.

Passarem para onde? Para lado nenhum! Temos, cada vez mais, licenciados analfabetos, convencidos de que sabem tudo, com a agravante de uma sociedade que apenas faz uma coisa: pedir desculpas! Desculpas de quê?

Mas, afinal, quando é que conseguimos ultrapassar estes complexos pós-revolução e perceber que autoridade não é o mesmo que o autoritarismo e que NÃO SOMOS TODOS IGUAIS!

Para além do respeito devido a todos os seres humanos, existem pessoas cuja posição na vida dos jovens carece de respeito por inerência: os pais, os professores, os mais velhos, etc., etc.

Pena é que sejamos nós a não saber ocupar o nosso lugar!

 

in Destak 30.10.07

O custo da desilusão

Luísa Castel-Branco, 23.10.07

Acredita que sei o quanto doem as desilusões. Nem falo sequer daquelas que pontuam a nossa vida, entre homem e mulher, nessa contabilidade do amor que faz pender a balança, uma vez para um lado, outra para o outro até que um dia tudo se desmorona dentro do nosso coração com um silêncio ensurdecedor.

Não. Falo de outros afectos, das relações de sangue que deveriam perdurar toda uma vida, que crescemos a acreditar que são sagradas e imunes a todos os males. Mas é mentira! A vida corrói a relação entre os adultos, porque quando somos crianças assemelhamo-nos aos animais, somos de quem nos dá carinho e comida. Depois, com o passar do tempo, vem a memória, vem o registo permanente desse deve e haver que, no final de contas, é tudo aquilo em que se resume a vida.

As pessoas crescem de formas diferentes e envelhecem muitas vezes com amargura, raiva e frustração. É triste mas é verdade. Mas também não deixa de ser menos verdadeiro, que existem jovens que são velhos e velhos que são jovens. Mas tudo isto para te dizer que tenho cada desilusão que a vida me trouxe cravada na pele como se fossem cicatrizes.

E tu, ainda tão novo, mas já há tanto tempo confrontado com o lado menos belo da realidade, só tens que lutar, com força, com orgulho, para não deixares que esse lado negro te tape a Luz e os milhares de coisas boas de que os outros são capazes. Todos os dias devemos registar mais uma história linda dentro de nós. Assim como quem alimenta a alma com o adubo da esperança na humanidade.

in Destak 23.10.07

Como sobreviver a esta Igreja?

Luísa Castel-Branco, 16.10.07

Em entrevista ao Noticias Magazine, a 5 de Outubro, Monsenhor Luciano Guerra, reitor do Santuário de Fátima, profere um conjunto de afirmações que no mínimo são insultuosa para todas as Mulheres.

Passo a citar: «NM- Na sua opinião uma mulher que é agredida pelo marido deve manter o casamento ou divorciar-se? Resposta - Depende do grau de agressão; NM - O que é isso de grau de agressão? Resposta - Há o indivíduo que bate na mulher todas as semanas e há o indivíduo que dá um soco na mulher de três em três anos; NM - Então reformulando a questão: agressões pontuais justificam um divórcio? Resposta - Eu, pelo menos, se estivesse na parte da mulher que tivesse um marido que a amava verdadeiramente no resto do tempo, achava que não. Evidentemente que era um abuso, mas não era um abuso e gravidade suficiente para deixar um homem que amava.»

Transcrevo apenas uma pequena parte da preciosidade que é esta entrevista.

E pergunto: Como podemos ser em consciência católicos perante uma Igreja como esta?

Monsenhor Luciano Guerra fala ainda do divórcio, do aborto, do mal que a presença das jovens junto dos rapazes que tem como consequência a falta de aproveitamento!

Em pleno Século XXI, no momento em que se vive uma crise real de valores, de esperança, uma procura da palavra redentora, venha ela de onde vier, num momento em que a humanidade se vê confrontada com guerras, atentados e lutas fratricidas em nome de um Deus, como compreender o obscurantismo destas afirmações?

Como justificar a nós mesmos ser Católicos perante tal Igreja?

in Destak 16.10.07

Sonhos acumulados

Luísa Castel-Branco, 09.10.07

Colocamos os sonhos numa gaveta qualquer, escondidos no fundo do nosso coração ou naquele lugar secreto onde guardamos as memórias em surdina, não as outras que nos podem acorrer de livre vontade. Umas vezes amarfanhados, outras vezes direitinhos e dobrados ao meio, a verdade é que, por cada sonho que a vida ou os outros ou nós mesmos nos roubamos, a gaveta vai enchendo e enchendo cada vez mais. É assim a vida.

Como também acontece, um dia e de repente, a gaveta ou caixa de papelão, rebentar de tão cheia que está, de tão pesada que nos verga os dias e damos por nós num pranto desfeito, se tivermos sorte, ou num silêncio de morte, que cai sobre a nossa existência para não mais se levantar. E o que responder aos outros quando nos interrogam o que se passa. Não há nada para dizer. Nada. Simplesmente esgotámos a reserva que nos tinha sido concebida, por alguma força desconhecida, para enfrentar a realidade.

E ficamos secos, sem chama, sem alento e cumprimos os dias e nada mais. Até que certa manhã, por exemplo, a chuva cai de repente e as cores brilham de forma luxuriante, um dos nossos filhos abraça-nos sem razão alguma, ou encontramos por acaso alguém que conhecemos e que padece de males maiores. Então, olhamo-nos de esguelha no espelho com vergonha das nossas fraquezas, limpamos a gaveta dos sonhos não concretizados e começamos do zero. Uma vez mais.

in Destak 9.10.07

Uma mão cheia de nada , outra de coisa nenhuma *

Luísa Castel-Branco, 08.10.07
E se a vida não for isto?
E se o que estou a viver agora for apenas um sonho, um pesadelo, uma mescla disto e de tudo o mais?
E se eu for uma pedra, uma árvore ou uma mulher sentada na ombreira duma porta qualquer, os olhos perdidos no fio do horizonte, os lábios gretados e o rosto tão marcado como um tecido velho e rasgado?
A mulher olha sem ver. E tanto pode ter na sua frente um deserto árido e áspero, como uma outra porta mesmo encostada ao rosto, sem lhe deixar sequer estender as pernas.
Não tem idade e sonha dia e noite com a minha vida e por isso mesmo vive aparvalhada, sem perceber o que se passa, ao que veio e o que vai ser dela.
Se isto não for realmente a vida, então assim eu compreendo esta sensação permanente, este mal-estar que dói dentro de mim, este atordoado na minha cabeça, com tantas vozes a falarem ao mesmo tempo, tanta gente que eu não conheço, tantos sítios que vejo e que não posso saber porque nunca lá estive.
Eu estou aqui e agora mas não estou nunca aqui e agora.
Metade de mim ficou presa no passado e a outra metade anda perdida no futuro. No futuro da mulher sem idade agachada na soleira da porta a olhar o nada.
Mas nunca estou a viver o hoje.
E é terrível! É tão triste não saber saborear aquilo que vem com os dias, o sol, as trovadas secas e a música da chuva.
É tão triste este viver sem viver e estar sempre com um pé no que foi e outro no que podia vir a ser.
Às vezes, já nem é uma tristeza, é antes um vazio que gela os ossos, gela tudo o que me rodeia onde quer que esteja porque é como se eu trouxesse comigo o vazio do Universo, o buraco negro do Cosmos.
A mulher que se calhar sou eu, sentada na soleira da porta, com a saia a comer o pó da terra, não tem olhos, afinal.
Tem dois buracos negros e em vez de lábios tem uma prega caída, uma em baixo, uma em cima.
Foram os bichos que lhe devoraram as carnes, de tanto estar queda e imóvel, tomaram-na por morta, por uma pedra ou uma árvore.
 
 *Titulo de livro de contos de Irene Lisboa, 1955

É Tudo Mentira!

Luísa Castel-Branco, 02.10.07

Quando eu era mais pequenina, acreditava que as estrelas me ouviam, quando eu espreitava pela janela e olhava para a noite escura. Falava com elas de mansinho, devagar e baixinho para que ninguém me pudesse ouvir, e tinha a certeza de que elas, a brilharem lá em cima, percebiam tudo o que eu dizia.

Mas agora, que já tenho dez anos, não acredito nas estrelas. Se elas fossem boazinhas, se elas me ouvissem de verdade, eu não precisava de estar aqui escondida por debaixo dos cobertores, a cantar uma música dentro da minha cabeça para ver se o medo foge.

Também já não acredito em fadas, nem anjos-da-guarda como me ensinou a professora na escola.

É tudo mentira. Se eles existissem, e as estrelas fossem minhas amigas eu não estava aqui. Mas estou.

E todas as noites fico agachada no meu quarto, com medo de ouvir os passos a chegarem à porta. Fico a tremer só de pensar nisso e não quero dormir porque posso não ouvir os sapatos dele e só acordar quando ele mete as mãos dentro dos meus lençóis. À minha Mãe não posso dizer nada porque ela está sempre a dizer para eu a largar, ela está sempre cansada e não fala porque também tem medo dele. Mas se as estrelas não me ouvem, as fadas e os anjos-da-guarda não existem, então a quem hei-de eu pedir ajuda?

Os adultos são todos mentirosos. Cheiram a álcool ou a suor e quando têm um sorriso na cara é porque vão fazer-me alguma coisa. Só a professora Alice é diferente. Só ela me faz festas na cabeça, dá-me chocolates às vezes e diz todos os dias a mesma coisa: «pobre menina.» Devia ser esse o meu nome.

in Destak 2.10.07