Traído pelo próprio sangue
Afinal de que é que tinha servido a vida? A contenção, o dizer não às tentações, pensar sempre em primeiro lugar na família, nela, nos filhos? De nada, absolutamente nada!
Isto pensava ele enquanto conduzia vagarosamente, sem prestar atenção ao caminho, que o carro já o conhecia de cor. Dentro da sua cabeça, as perguntas sem resposta e as imagens da destruição do seu lar misturavam-se numa confusão sem fim. Anda um homem a trabalhar horas sem fim para dar uma vida confortável aos seus, e é isto que recebe! A revolta era tanta que lhe cortava a respiração. Ainda me dá um ataque cardíaco, é o que é! Limpou a testa, afinou o espelho retrovisor e continuou a conduzir. Quando deu por si estava à porta de casa. E forças para subir? Traído pelo seu próprio sangue, pela esposa a quem era tão fiel como um cão.
Traído! Encostou o carro, desligou o motor e para ali ficou com o tempo a correr e ele sem se mexer. Eu devia pegar na mala, hoje mesmo, e sair! Quando arranjou forças para entrar no prédio, subir no elevador e meter a chave na porta de casa, respirou fundo, sabendo perfeitamente que o inevitável ia acontecer.
Contudo, eles tinham retirado tudo! A casa voltara ao normal. Ela na cozinha a sorrir-lhe, e os dois rapazes a levarem o jantar para a mesa. Sentiu um alívio sem tamanho, e escondeu uma lágrima. Enfim, o seu lar estava salvo! A águia do Glorioso colocada bem no centro da mesa, as bandeiras no seu respectivo lugar. Sentaram-se para jantar e ele ficou seguro de que nunca mais ninguém naquela casa se atreveria a afrontá-lo. Porque o amor de um homem pela sua esposa e pelos seus filhos resiste a tudo, absolutamente tudo. Exceptuando às comemorações do Tri do Futebol Clube do Porto, porque um homem, caramba, não é de ferro!
in Destak 29.04