Vou cobrir a nossa cama de pétalas, encher as jarras de folhas de hera, a caírem pelos móveis, como se um jardim encantado tivesse tomado conta da casa. Depois, espalharei velas pela casa, velas de todos os tamanhos e cores, e perfumes, incensos e folhas de eucalipto em lume brando. A música suave, doce, embalar-nos-á de mansinho. Enganaremos as horas, a noite transformar-se-á em dia e o dia mergulhará nas trevas e nós dois sem darmos por nada. Com amor e com afecto vou fazer o teu prato predilecto como dizia a canção. E fecharei a porta a cadeado, as janelas bem cerradas porque o mundo inteiro não nos interessa mais. Lá fora ficaram os outros, os problemas, as desilusões e todos os medos. Vamos dançar descalços na sala, a sentir a pele roçar no tapete, a sentirmo-nos voar e voar para tão longe. Adormeceremos abraçados um no outro, como se fôssemos um só corpo, um só ser, um único coração a bater compassada e docemente. Porque sabes, meu amor, nós merecemos. São já muitos os anos passados a dois, a lutar diariamente, a educar os nossos filhos, olha para eles, homens feitos e tão perfeitos! Agora é o nosso tempo. O tempo está todo à nossa disposição, os tempos que ainda temos juntos. Porque o nosso amor é isto mesmo, as recordações de mais de trinta anos em comum, as mesmas lágrimas e os mesmos risos. E não te rias de mim quando entrares a porta e vires as primeiras velas, e saboreares a miscelânea de perfumes e o som da música, a música com a qual dançámos a primeira vez. Recordas-te, meu amor? Éramos tão jovens e tudo era possível!