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Luísa Castel-Branco

Para quê sonhar?

Luísa Castel-Branco, 25.06.10

 

  

Antes de partires já cá não estavas por isso, sinceramente, nem posso dizer que dou pela tua falta. Aliás, sei que não preciso de ti, tenho a certeza porque a vida continua e, se queres saber a verdade, tenho saído com os meus amigos, tenho-me divertido à grande.

Por isso mesmo, não vale a pena deixares-me mensagens imbecis no telemóvel, até porque sempre que o fazes reconheço a tua voz entorpecida, aquela voz de quem já bebeu de mais. Este e-mail é só para te dizer que podes vir buscar o resto das tuas coisas quando quiseres, está tudo no quarto lá de dentro.

Aproveita e deixa a chave, se fazes favor. Ah, e se nos encontrarmos por aí, na noite, não vale a pena dirigir-me a palavra. É melhor assim. Afastou a cadeira e olhou para o ecrã do computador.

Era exactamente aquilo que lhe queria dizer, mas não conseguia enviar o e-mail, como se de repente os dedos estivessem ficado presos. «Que idiota que eu sou!» a mensagem seguiu, levantou-se da mesa e foi servir um copo de vinho tinto. O telemóvel tocava e não quis saber quem era.

Bebeu o vinho com tragos pequeninos, os olhos colados na janela, lá fora pessoas que se moviam com rapidez. Era mais uma página fechada, mais um vazio que se instalava dentro de si. Mais um erro. E por mais que representasse que estava bem, por mais que dissesse a todos que a vida era assim, tudo acabava, era normal, aquilo que sentia era bem diferente.

Mais do que a falta dele, era aquele medo terrível de que o futuro fosse apenas isso, uma sucessão de erros. Uma solidão que persistia quando estava acompanhada e quando ficava só. Ninguém lhe dissera que ia ser tão difícil. E ali a olhar Lisboa uma única ideia não a abandonava: para quê sonhar?

 

in Destak 21 | 06 | 2010 

Porque não se calam?!

Luísa Castel-Branco, 15.06.10

 

As notícias repetem-se dia após dia, sempre as mesmas: As fraudes, a corrupção, as mentiras ou meias verdades dos políticos, as reformas principescas de alguns, os ordenados principescos de outros, as comissões de inquérito que não chegam a conclusão nenhuma, o ministro que hoje diz uma coisa e amanhã outra, o secretário de Estado que desmente o ministro.

O processo Casa Pia, Face Oculta e todos os outros que se arrastam como cadáveres em decomposição. Há TGV ou não? E as pontas e o aeroporto?
Ninguém sabe. Ninguém consegue perceber onde começa e acaba a verdade dos factos, ou se esta se adapta consoante quem a diz ou escreve. E depois os comentadores económicos! Basta ouvi-los para nos sentirmos tentados a um suicídio colectivo!

Mas, o pior de tudo, é que o povo não quer saber disto tudo, está saturado de tanta lavagem de roupa suja e, principalmente, de ninguém lhe explicar o que vem a seguir, de alguém lhes dizer: Isto vai ser difícil mas daqui a… vamos estar melhor!

Qual quê! Cada responsável que abre a boca só vem confundir mais. Falam todos no mesmo tom de sempre, as mesmas palavras de sempre. Vazias. Ocas.

E quem vai à farmácia, ao super, quem paga creches e lares da terceira idade, é quem olha com mais desdém e tristeza para isto tudo. Ainda bem que vem aí o Mundial. Ainda bem.

Desta vez à portuguesa sem bandeiras nas janelas, aqui e ali com o hino nacional, mas boa parte dos portugueses vai esquecer esta vergonha que é o país dos políticos durante alguns dias.
Que do país real, eles não sabem nada.

 

in Destak 14 | 06 | 2010

O silêncio da vida

Luísa Castel-Branco, 02.06.10
OPINIÃO

No início, é a capacidade de sonhar que se desvanece, devagarinho, quase sem darmos por isso. Depois, deixamos de ter expectativas, porque doem de mais, cada uma parece conduzir a mais um desengano, mais alguém que nos deixa magoados, perdidos perante a realidade. Depois, pouco a pouco, um pedacinho de cada vez, o silêncio instala-se dentro de nós, toma conta da alma e do coração, larga amarras e não parece que um dia parta.

Então submergimos nos dias, nas rotinas. Fazemos o que é esperado, sem levantar a voz, sem queixumes ou argumentações. Para quê? Não vale a pena.
E é quando chegamos aqui, a este momento exacto em que descobrimos com surpresa que nada parece valer a pena, que enco-lhemos como uma flor murcha, sentimos sem saber como, que definhamos por dentro, dia após dia.

Os outros dirão que ganhámos maturidade, que somos agora pessoas muito mais cordatas e pacificadoras. E nós acenamos com a cabeça, colamos o sorriso na cara e dentro de nós uma vozinha grita que não, que agora estamos a morrer e dantes vivíamos. Mas a vida é isto mesmo. Se calhar, o mesmo acontece àquele que trabalha ao nosso lado, à vizinha do terceiro andar, à amiga de toda a vida.

Mas evitamos falar do assunto, como se ao transformarmos este mal-estar em palavras, ele se tornasse muito mais real, muito mais concreto. É mais fácil assim. Sentamos à mesa e ouvimos os filhos falarem, tão cheios de certezas, tão seguros de si. E vêem-nos à memória o tempo em que também tínhamos certezas, o tempo em que não nos rendíamos, ah! Foi há tão pouco e parece ter sido noutra vida!

 

in Destak 31 | 05 | 2010