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Luísa Castel-Branco

Um murro no estômago

Luísa Castel-Branco, 20.11.08
Lurdes Costa disse sobre A dor maior do mundo na Quarta-feira, 19 de Novembro de 2008 às 17:03:

     

 

Tremi e arrepiei-me ao lê-lo, é tão real, tão incisivo que corta a respiração, pensei em mostrar á minha irmã que sente essa mesma dor desde Dezembro de 2007 porque é um retrato tão fiel do que se passa com ela ... e transcrito ... ... não sei se aguenta lê-lo ... mas vou tentar! Tento ajudá-la todos os dias e dar-lhe força para continuar, é uma luta diária e constante, um desgaste muito grande e por vezes sentimos que estamos a rumar para parte nenhuma, esse é o pior dos sentimentos, a impotência perante os factos da vida.
Tenho sempre esperança que o amanhã vai ser melhor e considero-me otimista , mas estou a fraquejar e por vezes, como agora sinto que me faltam as forças.
Em Março de 2006 foi-me detectado cancro da mama, fui operada com sucesso, fiz radioterapia, Tamoxifeno e Zoladex durante 2 anos e superei essa prova de vida. Em Janeiro de 2007, aos 41 anos fiquei viuva (o meu marido não sobreviveu a um acidente na escada do prédio onde habitamos) com dois filhos, o Filipe com 15 anos que foi a primeira pessoa a chegar ao pé do pai depois do acidente e que chamou o 112, e o João Pedro com 7 anos. Tempos dificeis em termos psicológicos, muito dolorosos. Como explicamos aos nossos filhos que o pai não volta mais? Como explicamos que os maus vivem e o pai que era bom morreu???
Como explico a mim mesma que o amor da minha vida, desde os 14 anos, o meu unico namorado, a minha cara metade, o meu noivo, o meu marido, o pai dos meus filhos ?????... ... mas sobrevivemos!
Em Dezembro de 2007, dia 23 mais concretamente iamos todos contentes passar o Natal a Comenda-Gavião , iamos a 70 km/h, a minha irmã perdeu o controlo do carro, capotámos, a minha sobrinha de 15 anos foi cuspida e não aguentou ... faleceu ali.
O meu filho Filipe foi o primeiro a aperceber-se que a prima-irmã tinha morrido e gritava com quanta força tinha"A CATARINA MORREU!"
O mesmo já se tinha passado quando do acidente do pai, eu cheguei logo depois dele ao patamar da escada e tentava chamar pelo Jorge, na tentativa de obter um sinal que fosse de vida e o Filipe da porta da escada a espreitar para fora á espera da ambulância, todo a tremer me dizia:"MÃE! LARGA O MEU PAI QUE ELE MORREU! O PAI MORREU, MÃE! NÃO VÊS?? O PAI MORREU!
Estamos todos juntos a dar forças uns aos outros para levar a vida por diante, porque por mais forte que seja a nossa dor sabemos que a vida deles acabou, mas a nossa continua. Vivemos um dia de cada vez, é a única maneira. Nem conseguimos ter uma conversa sobre o futuro porque ... não sei, mas fazer planos para o futuro até se torna anedótico, surreal ...
Em Setembro desde ano foi diagnosticado cancro do pulmão á minha mãe. Começou a fazer quimioterapia, parou os tratamentos á 3 semanas porque a medula deixou de funcionar como efeito secundário dos tratamentos. O tumor esta no mesmo estádio que antes do inicio dos tratamentos. Ela está débil e sem cabelo, metade do dia passa deitada, só sai de casa para ir ao hospital.
A minha irmã começou a trabalhar á 15 dias, esteve 2 meses de baixa com depressão!!
Eu ontem não consegui ir trabalhar, estou confusa e sem alento! Mas tenho os meus filhos!
Tenho sempre sido forte mas sinto que acabei as pilhas!
Obrigada pelas suas palavras
Desde há muito que é uma referência para mim e de vez em quando venho aqui espreitar mas nunca tinha tido coragem de escrever nada, hoje foi mais um desabafo!
Parabéns por ser como é
Maria Costa

 

 

 

Maria,
Quando acabei de ler o seu texto, senti um murro no estômago!
Perdemos nas pequenas desilusões do dia-a-dia, nas tristezas e ressentimentos mas depois, perante o seu relato, todas as nossas queixas ou tristezas transformam-se em coisas ridículas.
Não sei como se levanta da cama.
Não sei como a sua irmã consegue avançar nos dias e o mesmo se aplica a si.
Tudo o que relata é tão incrivelmente injusto, e por muito que eu queira dizer que percebo do que fala, é pura mentira.
O texto que escrevi, baseei-me na dor que vi em quem perdeu um filho, porque sou tão cobarde que não consigo sequer imaginar-me nessa situação, pelo menos ao nível do meu consciente.
As suas dores são muitas e todas em simultâneo.
E claro que como mãe, a preocupação em relação ao seus filhos, principalmente ao mais velho é mais uma espada sobre a sua cabeça.
Se tiver alguma hipótese, sugiro-lhe, se me permite, que procure apoio para ele.
Alias o mesmo deveria fazer consigo e com a sua irmã.
As pessoas ainda hoje têm uma noção errada e falsa sobre as mais-valias do apoio que os profissionais desta área podem dar.
Mas é um erro.
Ninguém vai conseguir encontrar um sentido ou uma explicação para tudo o que vos aconteceu.
Mas tem que haver um sítio, uma pessoa, com quem possam desabafar e gritar bem alto a vossa raiva.
A vida é um mistério e ultrapassa em muito a ficção.
Mas a dor, essa, deve ser tão pungente que lhe digo sinceramente, não consigo nem por sombras compreender a força que necessita para  continuar.
O tempo tudo cura, diz o ditado.
Eu não acredito, mas penso que o tempo leva-nos a aceitar o inexplicável, não a compreender, não a deixar de lado a revolta, apenas numa aceitação que é um pouco da nossa própria morte, como se a alma ficasse para sempre mutilada.
Agradeço do fundo do meu coração a sua partilha com todos os que aqui vêem.
Estou segura que tal como a mim, a Maria contribuí para me obrigar a colocar os pés na terra e ter vergonha dos meus pequenos dramas!
Desejo que seja de que forma for, encontre as forças para continuar, e o mesmo em relação à sua irmã.
Volte sempre que quiser desabafar, nem que seja nas longas noites em que a solidão lhe pesa e o medo também.
Um grande abraço,
Luísa Castel-Branco
 
 

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