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Luísa Castel-Branco

Nuvens de algodão

Luísa Castel-Branco, 22.09.06

A chuva chegou finalmente. Por pouco tempo, mas foi o suficiente para limpar os ruas da cidade, lamber os edifícios e deixar lágrimas nos vidros das janelas.

 

Que saudades do frio, do aconchego das camisolas de lã, do cacau quente, do crepitar das chamas na lareira.

 

Quando finalmente o Outono chegar, ou se ele não vier uma vez mais, que já nada é o que era e as estações mudaram-se para outras bandas, quando o Outono chegar, ou então o Inverno, e o vento e a chuva e as ruas de Lisboa transformadas em riachos de pedras polidas, vou adormecer ao som da terra molhada, com todos os sentidos concentrados em sentir o frio e nada mais.

 

O Inverno é a época mágica do calendário de cada ano da nossa vida, é quando tudo o que é bom acontece. O Natal, as vidraças embaciadas e eu a fazer desenhos com o dedo húmido , eu a tricotar os presentes, o chão coberto de novelos desalinhados de tantas cores.

 

A chuva chegou e partiu. E eu vou continuar a contar os dias e as noites até ela voltar.

 

E lavar as folhas e banhar os pássaros e brincar com as gaivotas, trocando segredos que só eles partilham.

 

 

O fio da vida que não corre

Luísa Castel-Branco, 19.09.06

Se hoje aqui chegasses , o que dirias?

 

Se me encontrasses na rua, saberias quem eu sou? Quem eu fui para ti?

 

Procuro-te em todas as montras das lojas da cidade, esperando que no jogo de sombras, o teu sorriso triste apareça de surpresa uma vez mais.

 

Daria tudo o que tive para te ver outra vez. Para te tocar,e cheirar,e ganhar a coragem necessária para te beijar apaixonadamente, sem vergonhas ou embaraços, sem medo da tua secura de gestos, da tua repulsa por todas as manifestações prosaicas do amor.

 

Quando caminho por Lisboa, tento olhar com os teus olhos, tento imaginar o que sentiste quando por ali passaste.

 

Tento em vão saber quem eras e tu partiste e eu fiquei sem metade de mim, a metade que era tua.

 

Hoje, passados tantos anos, continua amputada.

 

Desconheci-te em vida e não te sei agora que já aqui não estás, mas vives dentro de mim, os dias todos, todos os dias.

 

Será que é destino, fado, karma  ou apenas a minha incapacidade de vos fazer aceitar como sou, apenas isto?

 

A história repete-se e brevemente outra parte de mim partirá.

 

E quando os Deuses assim o decidirem, eu para aqui ficarei, zangada, humilhada e perdida.

 

E só. Sempre só

Sintra dos meus olhos

Luísa Castel-Branco, 18.09.06

 Sintra sente-se no corpo e na alma e uma vez conhecida, é como se deixasse as impressões digitais de todas as árvores, todas as pedras, os musgos, as trepadeiras, as fontes recondidas por detrás dos arboredos , o verde, e o verde e o verde, tudo impresso na nossa alma para todo o sempre.

 

Sintra é magia. É a porta mais proxima do cume do mundo, dum mundo que termina quando se chega às portas da cidade, quando o nevoeiro se cerra, nos abraça e tudo e todos desaparecem e ficamos sós, tão sós, tão nus e despojados de tudo, que apenas ali conseguimos perdermo-nos da vida que conhecemos e entrar na porta do sétimo céu.

 

Nada é tão verdadeiro e simultaneamente tão irreal como Sintra.

 

É o local mais lindo e misterioso e majestoso de Portugal.

 

É onde eu gostaria de descansar para sempre, quando o momento chegar.

 

Por favor, espalhem as minhas cinzas no meio das árvores gigantescas e dos arbustos incrivelmente densos e verdes e eu permanecerei para a eternidade na acalmia das neblinas da Avalon portuguesa, de mãos dadas com as fadas,os duendes e todos os seres de luz.

Esperem por mim

Luísa Castel-Branco, 15.09.06

Não foi para isto que criei este blog.

 

Seguramente que não. Quando partilhamos pensamentos, devem ser profundos, devem ter actualidade, devem contribuir para alguma coisa, devem, portanto.

 

Mas pouso os dedos nas teclas e todo o cansaço do corpo, da mente e do meu coração flui para o teclado e não consigo, simplesmente não consigo, arquitectar frases, ideias ou uma linha de pensamento.

 

Doí me a vida espetada em mim e os olhos fecham-se do cansaço, do peso que permanece no fundo da minha cabeça, lá onde está a longa lista dos deveres não cumpridos, dos objectivos não alcançados, ou melhor, onde estão os objectivos?

 

Envelhecer é dificil. Existem dias em que a doçura das memórias e do hoje nos aquecem, mas noutros momentos, os dias arrastam-se e arrastam-se e nada parece ser o que devia.

 

É como andar à deriva num mar qualquer que tomou a cidade de assalto e o rio desapareceu, a minhas janelas mágicas desapareceram e eu levantei voo e fugi para o Castelo, escondida, quieta e silenciosa numa qualquer pedra centenária.

 

Por cá deixa esta, que supostamente deveria representar o meu papel. Mas parece que não o quer para nada e está de malas aviadas.

 

Vou trabalhar no fim de semana. Não estarei com os meus filhos e com a minha neta, nesses preciosos momentos em que os risos se confundem com os gritos de todos a falarem ao mesmo tempo, " quem quer mais ovos mexidos", e deles emana a Luz.

 

Deles advém o calor que enche o meu peito, dá cor ao meu rosto e todo o cansaço desaparece por encanto.

 

AH! Os nossos pequeno-almoço/almoço e quase lanche dos Domingos!

 

É quando eu volto a atrás no tempo, no tempo em que os tinha todos sobre a minha asa e era feliz, feliz, feliz.

 

E contúdo...

 

Sabe bem olha-los hoje e ver dois homens e uma mulher feitos, com caractér, com personaliade e dimensão humana.

 

E de repente, sem eu dar por isso, cada um recolhe ao meu regaço e eu volto a ser  aquela que lhes lambeu as lágrimas, aquela que lhes embalou os sonhos e lhes deu asas para voarem.

 

Cada um de nós tem o seu óasis. O seu Jardim Secreto.

 

Os meus filhos são o meu.

 

Hoje não estou para ninguém

Luísa Castel-Branco, 14.09.06

Há dias assim. 

 

Sem razão, sem sentido, sem nada que nos pegue à vida e nós aqui.

 

Hoje não estou para ninguém, era assim o titulo da crónica de Lobo Antunes que me marcou para sempre.

 

Talvez para me recordar que muita gente, neste preciso momento, chora com mais dor e mais razão.

 

Mas a dor é tão pessoal como o cheiro do nosso corpo, o olhar que deitamos sobre as coisas e as deixamos entrar no coração.

 

Ultimamente, gente demais tem partido do meu coração e da minha memória.

 

Arranco-os a ferros, pego na palma da mão e rasgo as memórias: as imagens, os risos, as lágrimas, tudo.

 

Nem os laços de sangue sobrevivem à vida. Ao desgaste dos dias, à erosão dos anos que nos apanham na esquina de uma rua qualquer e de repente, sem eu ter dado por isso, os meus filhos abriram asas e voaram, a porta da rua fechou-se e o silêncio pesa como a chuva que não vem.

 

Hoje não estou para ninguém. Digo para mim mesma e repito-o sabendo que é mentira.

 

Demasiada gente habita a minha dor.

 

E a amargura começou a juntar-se me ao canto da boca, nas lágrimas que já não choro e aquela que fui partiu para sempre.