Boas férias!
«Na noite em que nasceste, madrugada adentro, coisas estranhas aconteceram. À hora exacta em que o teu corpo deixava, finalmente, o corpo da tua mãe, os galos desataram a cantar como se o Sol já tivesse nascido. Eram três horas da madrugada. Os animais do curral foram tomados por uma estranha inquietação e de um momento para o outro um barulho ensurdecedor tomou conta de tudo. O pessoal da terra saiu à estrada, todos sabiam que a tua mãe estava a parir, mas ninguém associou as duas coisas, não senhora. O que pensaram (...) era que vinha aí um tremor de terra, que a seguir aos animais seria a vez da besta que vive dentro da terra começar a rosnar. Mas não. As pessoas esperaram em vão e depois cada uma voltou para a sua cama. Eu, nos entretantos, cuidava da tua mãe com a ajuda da Ti Clotilde. Eras o sexto filho e a tua mãe estava já habituada às dores, aos sangues e ao resto. Amarrei o cordão umbilical, enrolei-o em serapilheira e enterrei-o, mais tarde, no fosso ao cimo do monte. Dizia eu que a tua mãe estava já habituada, o que não quer dizer que as dores fossem menores, e no meio daquilo tudo deve ter sido a única pessoa do lugar que não deu pela loucura dos animais quando a tua cabeça saiu dela. Puxei-te para fora das entranhas da tua mãe e a primeira coisa que vi foi uma juba cor de fogo. Confesso que me assustei. Não por ver um nascido com tanto cabelo, mas a cor era tão forte que parecia iluminar o quarto. Limpei-te e, pegando-te pelas pernas, mostrei-te à Joaquina, que olhou o teu corpo, a juba cor de laranja e disse apenas: - Mais uma cachopa para alimentar! Em cinco filhos, a tua mãe só tinha um rapaz e agora chegavas tu, mais uma fêmea. Depois, ainda a arfar, disse-me: - Ó Ti Maria da Graça, mostre-me ai o que é que ela tem na cabeça.»
in Alma e os Mistérios da Vida, Oficina do Livro, 4.ª edição
in Destak 29 | 07 | 2008