Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Luísa Castel-Branco

À Amiga

Luísa Castel-Branco, 27.01.09
 
  

A Fé deve ser isto, olhar o que de mais terrível tem a vida e encontrar um sentido, uma explicação. Talvez seja este o sentido das palavras de Jesus: "Abençoados os pobres de espírito porque deles será o Reino do céu!"

Entendo-as não como uma referência à loucura ou estupidez, mas à capacidade que muitos têm de não questionar nada, numa simplicidade absurda. Deve ser bom viver assim e, contudo, eu não o queria para mim. Acredito que Deus criou-nos a nós, aos Outros, aqueles que vivem perplexos com a vida e os mistérios, questionando a chuva, o sol, o sorriso e a dor, o crime e a bonança para sermos os incitadores do mundo. Porque quem vive com a angústia dentro do peito não tem espaço para praticar o mal, a não ser consigo mesmo.

Apenas quem questiona e procura as respostas faz o mundo andar para a frente. O preço é uma passagem por esta existência plena de expectativas goradas e tristezas. As perguntas não podem ser respondidas aqui. Mas continuamos a lutar, a chorar e a gritar contra os ventos e marés. Seremos menos filhos de Deus por isso?

Não acredito. Se Deus é Pai então ele ama todos os seus filhos, e aceita-os como eles são, sabendo que muitos lhe trarão tristezas e poucos, alegrias. Gostaria de pensar que com a idade essa paz interior cairia sobre mim como a névoa sobre a folhagem dos campos, mas tal não aconteceu.

Até ao último momento continuarei a fazer perguntas ao vento, a falar com as estrelas e cada dia me afasto mais daqueles para quem tudo é plano, certo, evidente.

in Destak 27 | 01 | 2009

A planta

Luísa Castel-Branco, 20.01.09
 

Tinha colocado lá fora a planta. Não gostava daquela planta e deixou-a ali para morrer. O Verão acabou. Vieram as chuvas e o frio e nunca mais se lembrou.

Num domingo, esse dia mais longo da semana, sentada sem se mover, os olhos perdidos na rua, reparou então na planta. Que assombro! Tinha crescido, forte, bonita. Frondosa.

Deixou-se ficar para ali a olhar para aquele milagre, como se o crescimento de uma planta fosse algo verdadeiramente importante. Mais tarde, quem sabia do assunto explicou-lhe que a planta normalmente morreria mas se tal não acontecesse, adaptava-se e transformava-se numa planta de exterior.

Pensou para si mesma que era igual ao que acontecia aos seres humanos. Houve um tempo em que pensara que iria morrer, ou então simplesmente definhar devagarinho até desaparecer para sempre.

Mas não. Habituara-se ao silêncio total da casa, à ausência de palavras, gestos ou o que quer que fosse.

A sua vida era um deserto. Árido. Sem vida.

E contudo, tal como a planta que não morrera, os dias escorriam, os meses passavam, e ela ainda ali estava. Pouco a pouco, pensou para si mesma que se esquecera já que um dia fora amada. Que um dia a sua cama tinha tido alguém, o seu braço esticado tocava no corpo dele, quente, quente. Não era verdade, não, o seu corpo e a sua alma reclamavam-no. Mas ela era aquela planta. E tal como a planta, também ela se limitava a estar e nada mais.

 
 
in Destak 20 | 01 | 2009