Quem foi a fada que me esqueceu?
Quem foi então que me fadou, que cobriu o dia com a noite, engolindo o sol e as estrelas desapareceram também quando alguém me pariu?
Quem me cobriu de véus escuros, sombreando os dias e as noites, misturados numa amalgama de sons misteriosos, sombras que fazem desenhos pelo céu e pelo chão de cavalos com bocas abertas sedentos de sangue?
Quem se esqueceu de mim e para ali me deixou aos ventos, marés e tempestades sem coberta de amor ou carinho?
Que forças me empurravam pela vida fora, e me puxaram para cima sempre que cai, mas nunca me iluminaram o caminho, me abriram a mente e a alma à realidade?
Em que outros mundos vive eu já, que deles guardo lembranças sem nada me lembrar, mas tenho na pele a marca dessas vidas, os medos dessas vidas, o terror do final dessas vidas?
Porque encobriram o sol, taparam a lua, deitaram fora as estrelas e calaram todos os seres e me deixaram nua, perdida, sem memórias e com tantas recordações de criaturas terríveis, dragões com olhos maldosos, colos com raiva, beijos que nunca recebi?
Por onde anda o meu anjo da guarda, de tão distraído não deve saber que já nasci, e agora que a morte está muito mais próxima do que o amor, que viria ele fazer, sim, que poderia ele fazer para eu recuperar a vida?
Quem foi que nunca me suspirou ao ouvido doces canções de embalar, me pegou ao colo e jurou que tudo estava bem, que tudo acabaria bem e que isto era a vida? Quem foi que me deveria ter beijado e faltou ao compromisso?
E agora, quem me anda a roubar as memórias doces que ainda persistiam e a substitui-las pela realidade: eu em frente ao espelho e a minha vida a correr como um filme e eu sem poder saltar lá para dentro e gritar com aquela criança, aquela jovem, aquela mulher e gritar-lhe bem alto: PÁRA! NÃO VÁS POR AÍ!
Ah! A dor veste-me a pele, molda-me os dias e sustem-me a respiração?
Mas dor de quê se sempre foi assim, o espelho e eu, os erros e eu, a tristeza e eu?
escrito em 28.02.11