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Luísa Castel-Branco

As horas que não passam

Luísa Castel-Branco, 09.02.10

 

As horas passam como gotas de chuva a escorrem na vidraça da janela.

Eu sentada a olhar para o vazio, que há muito que perdi a rua, os carros e tudo.

A noite apareceu de repente e eu não dei por isso. Só a luz amarela dos candeeiros da rua: um, dois, três, derramada sobre o sofá, a carpete e a escorrer pelo chão de madeira.

O silêncio comeu tudo. Este silêncio pesado que abraçou a minha vida como se do fantasma da morte se tratasse. Entrou devagarinho, sorrateiramente pela calada da noite e depois foi-se deixando estar, cada dia um pouco mais até ocupar toda a casa, até ocupar todo o meu corpo.

Não quero olhar para as fotografias que teimosamente ainda não consegui retirar da sala e me mostram outra que já não sou a rir, de braços abertos para a vida, coração leve e desbragado.

Não quero mexer-me. Sei que se esperar mais um pouco vou deixar também de respirar. Sem esforço. Sem que me doa sequer.

O telefone que não toca. A campainha da porta que não se ouve e a luz amarela dos candeeiros que parece brincar com os desenhos do tapete.

Havia um gato preto, gordo, que aparecia na minha minúscula varanda. Ainda lhe dei de comer, tentei afagá-lo mas eriçou o pêlo e esquivou-se. Um dia deixou de aparecer. Tenho a certeza de que o silêncio lhe pesou tanto quanto me pesava a mim no início, quando o meu corpo ainda teimava em mexer-se.

Agora, o verdadeiramente difícil é mover um só músculo. Verter uma última lágrima.

Se ficar aqui até ao fim, quem sentirá a minha falta?

Não tu, seguramente, não tu

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