A dor maior
Teria o meu filho mais velho cinco anos, talvez seis, quando desci à rua acompanhada por familiares. Parámos no café e disse-lhes que ia à loja do outro lado da rua: tomem conta dele. E saí. A rua é estreita e pequena. Não sei porque me virei, será que ouvi os gritos? Mas quando o fiz vi o carro avançar e o meu filho no meio da rua. Corri e tentei colocar-me à frente, ou agarrá-lo, mas não cheguei a tempo e o carro, um Alfa Romeu desportivo, passou-lhe por cima, e o meu filho desapareceu.
Recordo cada pormenor desse dia, como se fosse hoje. Era Inverno. Estava frio. Ele tinha um casaco grosso comprido. O carro era vermelho. As pessoas gritavam e eu sabia que o faziam porque via os rostos aflitos, as bocas abertas mas nem um som chegava a mim. Nada. O mundo tinha sido engolido por um buraco enorme e nos meus ouvidos só o bater descompassado do meu sangue.
O condutor, tão jovem, saiu do carro a chorar e as pessoas tentavam olhar para baixo, ver o corpo. Aquele automóvel era tão incrivelmente baixo. Quanto tempo demorou? Não sei. Segundos, seguramente.
Foi então que o meu filho saiu rastejando por de baixo do carro, como se fosse um gato. Sofrera apenas um pequeníssimo golpe que nem sequer viria a ser cosido no hospital. Agarrei-o e percebi que continuava a não ouvir o que me diziam, nem mesmo ele.
Poucas horas depois ele já brincava com os irmãos. Eu em contrapartida, fiquei num estado tal que não conseguia sequer mexer um músculo. Quando a realidade parece ser difícil demais, volto àquela rua, àquele momento e aprendo uma vez mais o que é a maior dor do mundo.
in Destak 23 | 01 | 2012